segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Concepção


Desordem
na cálida luz do amanhecer
o rumor de uma fonte evoca
na textura das águas
a volúpia de viver
e tu austera te descobres
dizendo para ti mesma
que vertiginosa é a ordem
lenta intensa
que se encobre no teu ventre
diante da palavra descomposta
da volúpia do rumor na tua boca



sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Ao longe


Qualquer linha distorcida
no horizonte
que transgride ao longe
o poente
qualquer exílio da alma
que se sente
sinuosa na distância
a que pertence



segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Nocturno


Noite longa
negrume 
mais persistente que o azul
sob o teu manto cíclico da demora
guardas uns olhos famintos de luz
a minha fome de eterno que chora
enquanto no céu as estrelas 
se expandem ao norte e ao sul

noite longa
enquanto as coisas da terra
se preparam para nascer
em mim como um sol
o infinito seduz
é a minha sede
o meu cálice
o vinho que hei-de beber



sábado, 14 de dezembro de 2013

Destino


destapando os véus
da senhora da noite
uma antiga inscrição
como réstia de luz
da intrínseca vida
para a insólita morte: 
metade escolha
metade sorte




domingo, 8 de dezembro de 2013

O vento antes da noite


Venha o vento
agasalhar-me 
de sonhos esperançosos
venham os cabelos húmidos
das manhãs brancas
e as aragens mornas
das tardes que se estendem
com pernas longas
até que a noite caia
chorosa
de veludo negro



terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Achei-te?


Mais do que um achado
o encontro
é um exercício 
suado
de se estar 
com o outro



sábado, 30 de novembro de 2013

Urgentes


Urgentes são eles
as suas vidas
ainda tropeçantes
certos excessos atravessam-se
num repente
querem envelhecer sem caberem
no corpo
as horas deixaram de ser tímidas
e eles ainda não suportam a passagem
do tempo
enfadam-se
quando a vida se põe a adiar





quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Crescendo


Côncavas
as mãos
fazem ninho
as palavras
dobram-se 
aos pássaros
caem por terra
o sono dos meninos



domingo, 17 de novembro de 2013

Uma casa na alameda


Um homem procurou
armadilhar o vazio
por dentro da sua casa

era como encontrar sentido
num dia banal:
a vida podia ser sentida
mais separada ou mais íntima
daquilo que é vital

por dentro da sua casa
o homem olhou
lá para fora

as folhas das árvores 
ondulavam na brisa
e a rua era uma alameda
a chamar caminho
o seu lar um vôo de asa




terça-feira, 12 de novembro de 2013

As palavras não ditas


Pudessem
as palavras não ditas
visitar o pensamento
e como uma esmola
atrevida
sossegar qualquer sentimento

mas há palavras 
que saibam
esquecer ventanias
e silenciar o tempo?


terça-feira, 5 de novembro de 2013

Para silêncios fechados


Toldados olhos
para silêncios fechados

era já novembro
e pelos vidros embaciados
suspenso
um turvo instante
passageiro
quase perdido
antes vivo
mas agora anoitecido

passou
sem ser visto

sem ter acontecido



terça-feira, 29 de outubro de 2013

Choro de amor


digo-te:
estava a chover
e cada gota
não era mais
do que uma lágrima
simplificada
da minha dor

voltaste o rosto
para mim
e chamaste 
as nuvens
de sombras
num céu
triste assim

disseste:
nunca houve
terra molhada
que não fosse 
tocada
por um choro 
de amor

mas vê
como o vento
se esquece
e do orvalho
amanhece
uma erva
como cresce
uma flor



segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Desejo


uma flor
com uma forma
estranha
quase humana

uma lágrima
a saber a chama

uma volúpia
na alma
esmorecida

uma vontade 
de provar
a vida





quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Assim pode ser a infância


Nasce de um nome por dizer
palavras para sonhar
cada infância amanhece 
do gatinhar para a postura vertical
quando a criança desconhece ainda
que não sabe voar

asas
são suaves borboletas
pássaros alegres
o sol amornando uns pés azulados de frio
assim pode ser a infância
luz branda e colorida
uma noite para o medo se assustar
e tantas palavras à espera de voar





segunda-feira, 21 de outubro de 2013

O que podem ser as estrelas


Uma abóbada negra
salpicada de estrelas
era assim a noite na infância

havia o medo do escuro
o medo de estar só naquela escuridão
- dá-me a tua mão:
companhia para deitar de costas na relva
e maravilhar com aqueles pontinhos luminosos

- vamos contar as estrelas?
- cuidado que te nascem cravos nas mãos!

- e quando morrermos vamos para o céu?
- sim, cada um escolhe uma estrelinha e fica ali a morar ...

aconteceu que me nasceram cravos nas mãos
enquanto crescia 
(depois nunca mais)

aconteceu a noite descer fatal ou lenta
levar os avós a mãe um primo querido o pai
e cada um deles suspenso na sua estrelinha
parece acenar-me feliz para além da minha dor

parecem esperar-me lá no céu
guardando a morada que há-de ser minha



terça-feira, 15 de outubro de 2013

sobre a perda


III

o tesouro é a vida
e a vida é impermanência

é impossível evitar o sofrimento
mas se superarmos a avareza
a ignorância
a ira de nem tudo podermos dominar
seremos capazes de experimentar a serenidade
que nasce do sentimento de desapego

a vida é como o fluir das águas de um grande rio
quantas coisas encontro nessa corrente
quantas deixo para trás?

o amor é eterno enquanto dura
a felicidade é a dádiva de cada instante 
vivido em plenitude

na verdade nada se perde e tudo se transforma


      passo a mão em ti meu corvo triste
      vês como te afago com esta mão doce
      e como pousando na minha outra mão
      uma borboleta diz-me que já partiste?



segunda-feira, 14 de outubro de 2013

sobre a perda


II

sei da morte
e de outras perdas
mas nem sempre ando perdida
quando vagueio por aí

sou tudo e sou nada
em breve a minha alma
será calada pela noite sem fim

e tu serás o rascunho de mim

domingo, 13 de outubro de 2013

sobre a perda


I

vem com o teu manto de cinzas
ao cair das ilusões
vem cansada de expectativas
repousar no chão que pisas 
pois vou provar o teu travo amargo
beber do vinho das decepções

entra nesta casa 
onde se derrama a luz sem forma
e sombrei-a com a tua asa de corvo
aninha-te a mim sem demora

vem com as verdades escondidas
ou vem ainda por decifrar
vem escorreita ou imperfeita
para que eu te possa moldar
e espera pela minha alma madura
que na mestria do tempo te saiba governar

até lá vem de mansinho
lamber uma a uma cada ferida
e traz na liquidez da tua espessura
um molde para a minha flor preferida



domingo, 6 de outubro de 2013

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Chão Novo


Um vento alucinado revolve-nos 
a presença: já não nos podemos conter
e a força do nosso encontro é ciclónica
devastadora das nossas crenças
da nossa atitude natural quotidiana
esvaziamo-nos 
sacudimos os sedimentos soltos
limpamos o espaço entre nós
e pavimentamos o tempo outra vez

amanhã é capaz de soprar uma brisa calma


segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Outonal


sangue sacrilégio
    - espelho das árvores -
seiva de entorpecer o ar perene

a vida lapidada na queda
e o ouro desfolhando o tempo





sábado, 21 de setembro de 2013

Missão


Brota da beleza da terra
um oráculo à tua experiência
a intuição é a tua bússula
e quando a noite se abre para ti
podes ver o mundo com tantos olhos
quantos as estrelas cintilantes
desse horizonte noturno


em algum lugar dentro de ti
pode ser encontrado um fio de prumo
no teu modo de edificar

dos remotos cânticos mágicos
poderás retirar a tua verdade
mas não o farás sem enfrentar
a sombra do mundo -
esculpida em ti
até reconheceres no teu rosto
um olhar de chegar
ao teu caminho de redenção



terça-feira, 10 de setembro de 2013

Somos seres inquietos


Posso mandar embora a tristeza
se ela faz parte da minha inquietação?

despovoada dela só o sonho existe
- num tempo insigne e eterno 

mas nas horas que findam
na vida que sempre termina
ora sou feliz ora sou triste


sábado, 7 de setembro de 2013

Tocados pelo amor


A comunhão com o outro
o resgate da solidão
só quando estamos perto
de sermos tocados pelo amor

- qualquer forma de amor -

numa palavra
num silêncio
num gesto 
num olhar

nesse momento sentimos
como o corpo se expande
e o espírito incorpora
a aceitação jubilosa do universo




quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Madrugada


Não adormeças 
sem ver o escuro
deixa a tua alma dançar
                   uma vez que seja
tombar sob as estrelas
enamorar-se da noite
                  deixa-a levar-se pelo mistério

madrugada: em ti nasce a liberdade

ouve o dia respirar
                   dança com ele 
                   e não adormeças sem conhecer a noite




















sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Talvez (ainda) não


Quando a dor
encontra um lar
onde não se fabricam engodos

- a impostura da alma para a ilusão
  à revelia das suas cicatrizes -

separamos aquilo que é efémero
daquilo que permanece

a mordida da serpente
as portas do céu que se abrem
para o inesperado trovão

de repente
há que fazer uma escolha radical
ou talvez (ainda) não

onde moram as aves
e o movimento que as habita
sossega o meu coração

ondem dormem os gatos
e os seus corpos se espreguiçam
firmarei o meu  chão


segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Fronteira


Não se tolda a mente
com a paciente realidade
na passagem do tempo
em qualquer fronteira
se descobre a liberdade


domingo, 11 de agosto de 2013

Do corpo- fruto e espera


Do corpo
- fruto e espera

vestígio do ser no mundo
a plenitude que contém
dentro de si o declínio

invólucro do tempo no espaço

só pelo corpo percebemos
a amplitude da vida
o contorno da morte

é preciso escutá-lo
respeitar a sua voz
saber aproveitar o momento



















sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Clareira


Aquela que sou ao escuro
vigiando as pálpebras da noite

sustém
na luz crepuscular
o Sagrado

deixa cair as armaduras
deixa-se Ser
numa clareira para o desvelamento



terça-feira, 6 de agosto de 2013

Folhas caem


Folhas caem
do topo do tempo
decifrá-las 
na espera das estações

primavera
verão
outono
inverno

a eternidade é um jardim suspenso
de árvores com folhas caducas

nós essas árvores esquecidas



quinta-feira, 25 de julho de 2013

Depois das crisálidas




Depois das crisálidas 
as mãos incendiadas
rasam os vôos 
da alma

    são das asas as pausas oníricas no avesso do tempo 




segunda-feira, 22 de julho de 2013

Metamorfose é todo o existir


vital
como a lambida do mar na pele adere em sal
é viver

deixar fluir
metamorfose é todo o existir

simplesmente ser

abrigam-se tantas coisas cá dentro
cá fora desvendam-se as coisas ao abrigo do sol

dizer
palavreando da vida a revisitada espuma

entre
cá fora e cá dentro
estão as chaves da água noturna
a fundura do mar e a luz do nosso olhar



sexta-feira, 5 de julho de 2013

A noite cala


A noite cala
no ventre da vida
não é mártir o meu chão

sangue e ouro
de um pretérito olho
incisivo na escuridão

sinto o teu hálito fresco
e fresca a noite que transborda
da minha respiração

e é resiliente o meu passo
subtil por entre os cárceres
leve no caminhar da paixão


sexta-feira, 28 de junho de 2013

Oferendas


III

sou agora o pó
as cinzas do meu útero a secar
o silêncio de um fogo que apagou

espero as águas recolhidas
que retornam lunares
e acordam as vozes perdidas
dos filhos que ficaram por gerar


quinta-feira, 27 de junho de 2013

Oferendas


II

quando se aproxima
o grito do silêncio
a carne do verbo
a dor da luz do dia?

no corpo se carregam as asas do mistério
abrimos-lhes as portas
insubmissas
para que voem a germinar
oferendas -
os mais prováveis fluxos
entre o desejo e a sua transcendência


quarta-feira, 26 de junho de 2013

Oferendas


I

são fartos
meus filhos prolongados
nos tempos fátuos
há desejos por cansar

a velar partos
meu corpo-abrigo
tece um desvio
e acerta no alvo

um fluir de pétalas
vem habitar o poema:
no coração do inimigo
também se esconde o verbo amar




quarta-feira, 12 de junho de 2013

Linguística virtuosa


(sobre as metáforas da vida)

ruinoso
por entre metáforas ardilosas
que foi entendendo
e desentendendo
virtuoso
na absoluta necessidade de desfazer
e refazer
suas equivalências entre o destino
e um mutável modo de ser



segunda-feira, 10 de junho de 2013

Renúncia


Íntima renúncia
desço com ela
aos fósseis da pedra

sábio silêncio
criança que brinca
ao toca-e-foge
o mundo é um eterno oceano
quando mergulho
na memória impenetrável da pedra


quarta-feira, 5 de junho de 2013

Pássaro ferido


E com a dor se quebram 
laços
e por vezes se estreitam 
abraços
com o cansaço da vida

superar a dor
é não deixar o seu rasto no chão
é voar
como quem passa onde nada está
porque já se moveu
para chegar ao céu



terça-feira, 28 de maio de 2013

Raiva


Olha que se acende um mar
nas tuas palavras
e chegam gaivotas nas cinzas
dessas águas bravas

gaivotas famintas no lume
dos teus olhos que ardem
sem perdão de ver o mar
tão perto daquilo que és agora
frágil e só


segunda-feira, 27 de maio de 2013

(des)encontro


Presença fugida em ausência de luz
as trevas no meu olhar 
quando ele se põe no teu lugar: 
o tempo corrumpido com o mistério
de sermos e amarmos 
no encontro e desencontro do sentir
existir como uma impressão de passagem
de mim para ti
e de volta para aqui - este limbo
onde pairam névoas de outrora
sombras de noites ainda sem voz
e uma luz que ecoa subtil
e profunda atravessa a nossa cegueira
















domingo, 28 de abril de 2013

No centro de cada casa há uma lareira


Nunca se diz adeus
aos lugares onde mora a alma
no mais íntimo altar
o fogo arde
no centro de cada casa
há uma lareira
que foca a essência do lar

convergem as imagens para esse foco
- uma mandala que acolhe e ajusta a luz
no interior de cada ser


                                                                                      Héstia te protege