terça-feira, 29 de outubro de 2013

Choro de amor


digo-te:
estava a chover
e cada gota
não era mais
do que uma lágrima
simplificada
da minha dor

voltaste o rosto
para mim
e chamaste 
as nuvens
de sombras
num céu
triste assim

disseste:
nunca houve
terra molhada
que não fosse 
tocada
por um choro 
de amor

mas vê
como o vento
se esquece
e do orvalho
amanhece
uma erva
como cresce
uma flor



segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Desejo


uma flor
com uma forma
estranha
quase humana

uma lágrima
a saber a chama

uma volúpia
na alma
esmorecida

uma vontade 
de provar
a vida





quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Assim pode ser a infância


Nasce de um nome por dizer
palavras para sonhar
cada infância amanhece 
do gatinhar para a postura vertical
quando a criança desconhece ainda
que não sabe voar

asas
são suaves borboletas
pássaros alegres
o sol amornando uns pés azulados de frio
assim pode ser a infância
luz branda e colorida
uma noite para o medo se assustar
e tantas palavras à espera de voar





segunda-feira, 21 de outubro de 2013

O que podem ser as estrelas


Uma abóbada negra
salpicada de estrelas
era assim a noite na infância

havia o medo do escuro
o medo de estar só naquela escuridão
- dá-me a tua mão:
companhia para deitar de costas na relva
e maravilhar com aqueles pontinhos luminosos

- vamos contar as estrelas?
- cuidado que te nascem cravos nas mãos!

- e quando morrermos vamos para o céu?
- sim, cada um escolhe uma estrelinha e fica ali a morar ...

aconteceu que me nasceram cravos nas mãos
enquanto crescia 
(depois nunca mais)

aconteceu a noite descer fatal ou lenta
levar os avós a mãe um primo querido o pai
e cada um deles suspenso na sua estrelinha
parece acenar-me feliz para além da minha dor

parecem esperar-me lá no céu
guardando a morada que há-de ser minha



terça-feira, 15 de outubro de 2013

sobre a perda


III

o tesouro é a vida
e a vida é impermanência

é impossível evitar o sofrimento
mas se superarmos a avareza
a ignorância
a ira de nem tudo podermos dominar
seremos capazes de experimentar a serenidade
que nasce do sentimento de desapego

a vida é como o fluir das águas de um grande rio
quantas coisas encontro nessa corrente
quantas deixo para trás?

o amor é eterno enquanto dura
a felicidade é a dádiva de cada instante 
vivido em plenitude

na verdade nada se perde e tudo se transforma


      passo a mão em ti meu corvo triste
      vês como te afago com esta mão doce
      e como pousando na minha outra mão
      uma borboleta diz-me que já partiste?



segunda-feira, 14 de outubro de 2013

sobre a perda


II

sei da morte
e de outras perdas
mas nem sempre ando perdida
quando vagueio por aí

sou tudo e sou nada
em breve a minha alma
será calada pela noite sem fim

e tu serás o rascunho de mim

domingo, 13 de outubro de 2013

sobre a perda


I

vem com o teu manto de cinzas
ao cair das ilusões
vem cansada de expectativas
repousar no chão que pisas 
pois vou provar o teu travo amargo
beber do vinho das decepções

entra nesta casa 
onde se derrama a luz sem forma
e sombrei-a com a tua asa de corvo
aninha-te a mim sem demora

vem com as verdades escondidas
ou vem ainda por decifrar
vem escorreita ou imperfeita
para que eu te possa moldar
e espera pela minha alma madura
que na mestria do tempo te saiba governar

até lá vem de mansinho
lamber uma a uma cada ferida
e traz na liquidez da tua espessura
um molde para a minha flor preferida



domingo, 6 de outubro de 2013

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Chão Novo


Um vento alucinado revolve-nos 
a presença: já não nos podemos conter
e a força do nosso encontro é ciclónica
devastadora das nossas crenças
da nossa atitude natural quotidiana
esvaziamo-nos 
sacudimos os sedimentos soltos
limpamos o espaço entre nós
e pavimentamos o tempo outra vez

amanhã é capaz de soprar uma brisa calma