domingo, 19 de julho de 2015

Ser Humano


Pousou a cabeça sobre os sonhos
apesar da vida lhe tremer no corpo

lançou a sua sina aos nomes de deus
e quando matou deus 
nem sempre encontrou o próprio rosto

ser humano é querer ser mais 
querer ser ainda outro 
para além de imprevisto e morto

entornar os sonhos sobre o seu tempo
ser assim vulnerável e forte
e querer decidir sobre a sua sorte 







sábado, 18 de julho de 2015

Evolução


I

Uma cama de água ímpia

lavra no presságio 
a garça
íntima da beleza

das águas surgirão os homens
outro bicho-flagelo
com ampulhetas medindo os céus







II

Foram as mãos que surgiram dos pântanos
e alcançaram o topo das árvores

o corpo ergueu-se sempre mais
reclamando liberdade
conheceu e dominou

mesmo quando afundou
as mãos sucumbiram mais tarde

lembradas de renascer














































sexta-feira, 17 de julho de 2015

Génese


Vinha do vulcão a escória 
que nos precede

sob a claridade das águas
longe era ainda o som 
coagindo a vida
e por ora só uma mudez
hermafrodita

convocado o oceano
o vento as nuvens 
e o trovão
revoltaram-se então
as águas
no prévio caldo escuro
donde viemos

foi primordial
a cor do chumbo
e as sulfurosas águas
amarelas

então
nas línguas da lava 
percorrendo a terra
de rubro e alaranjado
foi-se o verde firmando
pelo marron acidentado 
dos relevos

no alastrado das águas
foi-se tingindo de azul 
toda a liquidez do planeta
e num curvo telhado
também o céu se cobriu
nos tons dispersos do azul
















domingo, 12 de julho de 2015

A luz não partilhada



Um outro 
olhou-me assim:
dobrada ao meio a noite surgiu 
nos seus olhos sem me atingir

disse-me 
que a verdade do mundo era a sua 

a minha era tão inútil e faltosa 
do que dele mesmo projetava -
os dias marcados com os seus 
egóicos consolos e lamentos -
que não valia nada 

não era um eco que eu ouvia
mas um ruído áspero e vil
hostil de tão repetido

estar só nunca foi estar sozinho/a
estar só é não ser compreendido/a
é uma luz não partilhada

respondi-lhe assim:
a solidão é a minha delicadeza
e a minha noite segue grávida 
do amanhecer 








quinta-feira, 9 de julho de 2015

Búzio


A lavoura do mar
dentro de um búzio

segredo e espuma
forte rebentação
sementeira e lavra
na maresia

colheita perdida na imensidão

mar infinito
mar chão




segunda-feira, 6 de julho de 2015

Flores da hera


Flores da hera
que oferecem às abelhas
o seu derradeiro mel
e são para as borboletas
última tremura de agitação

um sopro de vida assim 
tão perto de ser preenchida
e onde por dentro da vida
também caiba o fim









quarta-feira, 1 de julho de 2015

Recomeçar


Tenho uns pés 
andarilhos
que procuram
mesmo até onde 
se acaba

e uma cabeça 
mais madura
sabe o que quer
e pondera
a aventura

e tenho um coração
que amanhece
nas mãos
e as mãos
recomeçam 
tudo