Quando a dor
encontra um lar
onde não se fabricam engodos
- a impostura da alma para a ilusão
à revelia das suas cicatrizes -
separamos aquilo que é efémero
daquilo que permanece
a mordida da serpente
as portas do céu que se abrem
para o inesperado trovão
de repente
há que fazer uma escolha radical
ou talvez (ainda) não
onde moram as aves
e o movimento que as habita
sossega o meu coração
ondem dormem os gatos
e os seus corpos se espreguiçam
firmarei o meu chão
Não se tolda a mente
com a paciente realidade
na passagem do tempo
em qualquer fronteira
se descobre a liberdade
Do corpo
- fruto e espera
vestígio do ser no mundo
a plenitude que contém
dentro de si o declínio
invólucro do tempo no espaço
só pelo corpo percebemos
a amplitude da vida
o contorno da morte
é preciso escutá-lo
respeitar a sua voz
saber aproveitar o momento
Aquela que sou ao escuro
vigiando as pálpebras da noite
sustém
na luz crepuscular
o Sagrado
deixa cair as armaduras
deixa-se Ser
numa clareira para o desvelamento
Folhas caem
do topo do tempo
decifrá-las
na espera das estações
primavera
verão
outono
inverno
a eternidade é um jardim suspenso
de árvores com folhas caducas
nós essas árvores esquecidas