quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

O natal é sempre que o homem quiser

Assim anoitece o natal
num dia frio de inverno
limpo de feridas
curado com as vozes
que cantam o amor
e esconjuram o mal
a noite que se aquece
prolongada em laços
tecidos nas vidas de todos nós
os paladares partilhados
os gestos generosos
as palavras lembradas
as oferendas doadas
e o dia que amanhece
o sol como um corpo quente
lembrando aos vivos
que é tempo de renascer

o natal é sempre que o homem quiser

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Asas do desejo

Ás vezes mergulha-se no nada
ás vezes é só a poeira da estrada
que oculta os horizontes de mim

quando a noite parece sem fim
levanta-se mais cortante que a espada
o esboço o pensar da criança debruçada
num jardim de anjos atentos à madrugada

é no silêncio que uma cidade acorda
e depois enche-se de falas
livres loucas desesperadas
sepultando casas
buscando asas
(que só as crianças percebem assim)
no céu nublado de Berlim


domingo, 18 de dezembro de 2011

Oração

São os anjos que eu convoco
quando seguro a tua mão
e se eu soubesse rezar
e tu não tivesses esquecido
todas as palavras de fé
faria desta imagem a tua última oração

domingo, 4 de dezembro de 2011

Essa dor que a ti pertence

Principiaste a tua dor no silêncio
onde te demoraste num espinhoso segredo
até que o teu corpo até então calado
soçobrou num pranto de animal esquecido

e entristeceste
por vezes adoeçeste
e não foi só por medo mas por ser tarde
nesse vazio como um lenço
apertando o pescoço da vida
que procuraste alguém e partilhaste

- liberta-me pois não sei nada
dessa noite que costurou as minhas pálpebras
para que só os meus ouvidos ali estivessem
no seu escuro pulsar refugiado
e sofrido dentro de mim

- quero-me despovoado desta dor
ainda sem nome nessa distância de ti
dá-me pois o teu colo
e desalinhava-me os olhos
para que abertos na luz
eu possa acarinhar as flores
e não sinta só o cravar dos espinhos

nesse encontro onde te entregaste
preservado numa aceitação de ti
pudeste encontrar as palavras mais certas
para nomear essa dor já de si
mirrada na coragem de trilhar caminhos

desprendida já da morte que te angustia
não a ignoraste
apenas a resignificaste
na partilha do teu mundo com outros seres
e alcançaste os seus sentidos
no aqui e agora

pronunciaste então a tua sorte
e mesmo que por fim soubesses
ela não ter sido completamente entendida
na lonjura da tua alma
essa dor que a ti pertence
abriu os caminhos
para te transcenderes


















Tua dor nada mais é do que a concha que envolve o teu entendimento se quebrando
                                                       Kahlil Gibran

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

O narrador e o evadido

















Por detrás
de cada vida narrada
assim acontecida
existe um imenso mundo vivo
que entranha esse ser finito
e o apressa a procurar sentido
em tudo o que faz

e quem és tu ó narrador?

que história contaste tu
dessa alma apressada
em viver toda a dor
que extravasa da vida contada?

julgas-te tu um salvador
do sentido dessa vida?

pois se nem o próprio autor
chegaria ás tuas conclusões
sendo as palavras tão poucas
para entender as suas contradições