quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Variações do fogo


labareda

ardente
hálito
da seda
encerra
osmose
e conflito

tua queda
acolhe
minha dose
de consolo
e delito

fogo brando

teu calor
quando esfria
serena
o insólito
espanto
da travessia

cinzas
de vulcões
adormecidos
em versos
de Camões

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Morada

Sou desse silêncio
em que me escolho
e me decido

Sou desse verbo
em que deslizo
e em que derivo

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

O sopro

A poesia
é como um sopro do espírito
que acalma as águas turbulentas da alma
e agita todas as gravidades do corpo
















terça-feira, 23 de agosto de 2011

meninos do Mar

conchas e búzios
     despejados nas marés
pedrinhas de veludo
      debaixo dos seus pés

flutuam na areia
           galopam no mar
procuram sereias
      descobrem ouriços e estrelas do mar

         as pegadas são marcas deles
                             que as ondas vêm buscar

      o sol nos cabelos
na pele o sal
      e a espuma desnudando
as vontades de brincar


sexta-feira, 19 de agosto de 2011

As palavras difíceis da gente crescida

São peregrinas as palavras
motivadas por horizontes sonhados
onde só existem lugares de pedras
e rios que fogem apressados

trazem quase sempre heranças do passado
bem pesadas mas são muitas vezes como orfãs
de consolo e nem sempre perspicazes no legado
de afastar com firmeza as coisas vãs

gente crescida inventa palavras difíceis para narrar a vida

mas até as crianças sabem de antemão
que na história mais simples o significado
é como a água que nutre a secura do chão
- tal como no conto da maior flor do mundo de Saramago




"E se as histórias para crianças passassem a ser de leitura obrigatória para adultos?
 Seriam eles capazes de aprender realmente o que há tanto tempo têm andado a ensinar?"
                                                                                                              José Saramago


quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Musa negra estrelada


A noite desenhou
na sua tela negra
uma aguarela de astros
no silêncio musicou uma pauta
que as estrelas entoaram num som de flauta

a noite fez do homem poeta
na sua descoberta
artista de letras sons e cores
e como não o bastasse de amores
deu-lhe o desejo de a descobrir
como cientista nos seus rigores
e de a desbravar como astronauta



















terça-feira, 9 de agosto de 2011

Equilíbrios


Sou uma unidade
composta
em partes iguais
de encontro
e solidão

E um dia quando estiver morta
continuará a natureza
a repetir sem assombro
entre o limite e a exaltação
dessa verdade
a sua justa proporção
















segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Corpo em sede de mar

Ano após ano a tua voz
                           me chama

corpo em sede de mar

verão a verão anseio pela onda que
                                          me revigora

só a tua brisa com rumores de búzios
                                               me acalma

só a tua espuma batida na areia é capaz de lavar
                                                              a minha alma

sábado, 6 de agosto de 2011

Alvorada

Guiou-me a alvorada

sorte de me encontrar na rocha
                                              e no orvalho

obriguei os olhos a decifrar todas
                                                as lágrimas

essas chagas humanas a excomungar
                                                         o nada

caminhei inteira por entre todas as faltas

             luminosa como a tocha

                                       sólida como o carvalho

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Manhã pagã

Antes de rasgar o ventre
                                de minha mãe

  eu nasci com o som do tambor 

  e percorri o voo do beija-flor

           até tocar no transe da terra

   mãe tecedeira dormente

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Máscara africana

Sonhei
que a saudade se soltava
largada a um sono retardado
de anos e anos embalado
em laivos de histórias que teimava
nunca varrer de mim

então falei
com os lábios molhados
de cacimbo
e cantei
os sons da chuva no capim

só para ouvir
de novo ressoar
no silêncio da noite sem luar
um gemido vestido de capulana
a saudade cantada num rosto negro
de máscara africana

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Lughnasadh



Ela empunhou a foice por entre feixes de urze e grãos
caminhou pelos campos a celebrar a vida
no dia em que o deus solar dominou as trevas e venceu gigantes
ela honrou a deusa mãe que preparou a terra de abundância
agradeceu à lua por abençoar as primeiras colheitas
e então também a natureza foi revelando os seus grãos maduros
enquanto o sol perdia a sua força e as noites se tornavam frias